Cheias de 1967
Na noite de 25 para 26 de novembro de 1967, uma invulgar tromba de água, que em algumas zonas chegou a atingir os 170 litros por hora, assolou a região da grande Lisboa, deixando um rasto de destruição… aldeias arrastadas pela lama, milhares de casas destruídas, com especial incidência nas zonas mais pobres e nos bairros de lata. A ditadura procurou encobrir as dimensões da tragédia e, oficialmente, os números apontaram para 462 mortos, mas poderá ter chegado aos 700.
A tragédia expôs a ausência de planeamento social e urbanístico e a completa falta de condições habitacionais de milhares de portugueses. Expôs a miséria, que se queria encoberta. Nos trabalhos de socorro, participam jovens, grupos de estudantes, membros da sociedade civil, voluntários, que se mobilizaram para limpar os destroços, angariar bens e fundos para auxiliar os feridos e os desalojados, vacinar para prevenir surtos de doenças. Para muitos foi o despertar para a dura realidade e a miséria do país e o móbil para a ação política.
Entre as vozes que então se levantaram, de novo, contra o regime de Salazar ouvem-se Ribeiro Telles ou Nuno Teotónio Pereira, que apontaram o desordenamento como causa direta do sucedido. Na imprensa, a censura atuou com mão de ferro, cortando, alterando, dando ordem para que não se falasse mais em mortes. Às redações chegavam indicações precisas: títulos mais pequenos, imagens menos chocantes, não referir as atividades dos estudantes.
É neste contexto que surge o “Solidariedade Estudantil”, jornal feito por estudantes que ali relatavam o que viam no local. Uma das tiragens chegou a atingir os 10 mil exemplares.Como normalmente acontece, foram os mais pobres quem mais sofreu com o dilúvio que assolou Lisboa. Um dilúvio que descobriu, para muitos, estes “invisíveis” da sociedade, uma miséria desconhecida e inimaginável.
Imagem: Imagens cortadas pela censura. Arquivo Torre do Tombo.