Meninos que não foram crianças – Filhos de clandestinos
Hoje sabemos, pela memória e pela história que fomos conhecendo sobre o regime fascista, que centenas de crianças, muitas ainda bébés, foram brutalmente separadas da família, ou então obrigados a suportar as inclemências das prisões onde, por períodos por vezes longos, acompanharam o encarceramento das suas mães.
Uns nasceram em casas clandestinas, onde lhes foi impossível levar uma vida normal, como ir à escola ou brincar com os outros meninos. Para eles, a aprendizagem fez-se pelo labor e pelo combate de seus pais, como aconteceu com Mariana Rafael, uma das vozes deste livro de testemunhos. Outros cresceram escondendo o seu verdadeiro nome, como conta António Vilarigues, para que não constituíssem fonte de informação da polícia.
Nem todos conseguiram superar estas enormes dificuldades e desvantagens decorrentes de uma vida «anormal» – alguns, como Herculana Velez, outra das vozes testemunhais deste livro, sente que lhe foi necessário criar «um mundo próprio», de isolamento, que ainda hoje a faz «viver num corpo com duas mentes».
Para todos eles – os meninos que não foram crianças, filhos de clandestinos -, ficaram os vincos de um período amargo das suas vidas, marcado por dificuldades sem conta, mas também pela coleção dos silêncios cúmplices que era preciso manter quando lá por casa passava um daqueles homens e mulheres que tanto admiravam, pela coragem e pela abnegação, ou pela inteligência e pelo trato. Quase sempre entrevistos pela nesga da porta que dava para a sala onde ocorria a reunião clandestina. Tempos duros, mas também heroicos e inspiradores da vida que tantos destes meninos escolheram para o seu futuro.
O pequeno livro que apresentamos resultou desta partilha de memórias de meninos e de meninas que não foram crianças, numa atividade que aqui ocorreu sob a inspiração dos contos escritos sobre este tema por Maria Luísa Costa Dias, ela própria uma mulher da clandestinidade.
Luís Farinha
Museu do Aljube Resistência e Liberdade, janeiro de 2020
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